UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE APOIO A PESQUISA PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA A ABORDAGEM GRAMATICAL NOS LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE REFLEXIVA DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM Bolsista: Danielle Serrão da Silva, FAPEAM MANAUS 2015 A ABORDAGEM GRAMATICAL NOS LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE REFLEXIVA DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PRO REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE APOIO A PESQUISA PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA RELATÓRIO FINAL PIB – H – 0064/2015 A ABORDAGEM GRAMATICAL NOS LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE REFLEXIVA DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM Bolsista: Danielle Serrão da Silva, FAPEAM Orientadora: Profª Drª Fernanda Dias de Los Rios Mendonça MANAUS 2015 RESUMO A presente pesquisa apresenta uma análise da abordagem gramatical contemplada nos Livros Didáticos de Língua Portuguesa adotados nas séries do segundo ciclo do Ensino Fundamental, nas escolas da rede pública de Manaus, Amazonas. Trata-se de uma análise que procura observar o ensino de língua materna com base nos eixos da leitura e escuta de textos e da produção de textos orais e escritos, focalizando, sobretudo, a análise linguística (AL). O objetivo básico da pesquisa consistiu em verificar se a análise reflexiva do processo de ensino e aprendizagem aparece contemplada nos livros didáticos de Língua Portuguesa tomados como dados, subsidiada pelos documentos oficiais que orientam a prática pedagógica de LP na escola e pela perspectiva metodológica bakhtiniana. Os achados da pesquisa apontam que se, por um lado, há avanços nos conteúdos e nas propostas de atividades contempladas nos livros didáticos de LP, por outro, ainda prevalece a tradição de ensino gramatical com privilégio da memorização e do trabalho automatizado com exercícios repetitivos. De modo geral, a pesquisa permitiu verificar as consonâncias e as dissonâncias entre as orientações propostas pelo Ministério da Educação para a disciplina de Língua Portuguesa e o material didático analisado e, sobretudo, perscrutar e apreender as origens dos insucessos de aprendizagem de LP que os exames propostos pelo MEC vem apontando ao longo dos últimos anos. Palavras-chave: Língua Portuguesa, Livros Didáticos, Análise Linguística. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...............................................................................1 2. Análise Linguística: prática reflexiva no ensino da língua materna...........................................................................................3 3. Perspectiva Arquitetônica.............................................................8 4. Orientações oficiais para ensino de Língua Portuguesa no segundo ciclo do Ensino Fundamental........................................ 8 4.1 Os Parâmetros Curriculares Nacionais.......................................9 4.2 A Proposta Curricular do Estado do Amazonas....................... 14 4.3 O Programa Nacional do Livro Didático................................. 16 5. Breve Discussão o Livros Didáticos de Língua Portuguesa no segundo Ciclo do Ensino Fundamental.......................................19 6. Análise dos livros didáticos de Língua Portuguesa do 6° ao 9° ano..................................................................................................22 6.1 Organização Estrutural e Distribuição dos Conteúdos dos Livros Didáticos..............................................................................24 6.2 Um Olhar Sobre a Coleção de Livros Didáticos de Língua Portuguesa Selecionada...................................................................27 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................38 REFERÊNCIAS..............................................................................40 1 1. Introdução Esta pesquisa encontra-se inserida no âmbito da Linguística Aplicada (LA) e vincula-se ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística Aplicada e Discurso – LADI cadastrado e certificado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, sob a liderança da professora Fernanda Dias de Los Rios Mendonça (UFAM/PPGL), cujos trabalhos desdobram-se na investigação e elaboração de propostas acerca do ensino da língua materna nos diferentes segmentos de ensino no país, na formação inicial e continuada docente, na análise e elaboração de materiais didáticos e na análise de currículos. Nessa perspectiva, o interesse específico deste estudo visa investigar livros didáticos de língua portuguesa, voltados ao segundo ciclo do ensino fundamental, adotados por escolas públicas da cidade de Manaus, com a finalidade de verificar como, nesse material didático, os conteúdos de linguagem aparecem contemplados. Embora o objeto central de análise seja o material didático, realizamos um estudo preliminar dos documentos que estão diretamente vinculados ao ensino de LP nos anos finais do ensino fundamental. Entendemos ser essa etapa de análise fundamental, uma vez que as orientações contempladas nesses documentos norteiam o entendimento tanto da organização estrutural quanto teórica e ideológica dos livros didáticos. Esse procedimento, embora não proposto no projeto inicial da pesquisa, fez-se necessário em razão do segundo objetivo colocado para a realização deste estudo, a saber: “verificar a adequação dos conteúdos de linguagem adotados nos livros analisados de acordo com as diretrizes paramétricas do MEC, considerando a série (ano) a que se destina”. Vale ratificar a relevância da consideração desses documentos como dados periféricos da pesquisa, uma vez que a análise do material didático deu-se por meio de um diálogo com as propostas que apresentam. Tal procedimento metodológico consiste na perspectiva arquitetônica e dialógica proposta por Bakhtin (2010) na obra Estética da Criação Verbal em texto no qual o filósofo aborda a especificidade das pesquisas em ciências humanas, apontando a necessidade de considerar para o escopo da pesquisa todo o contexto que engloba a produção discursiva materializada em um determinado texto. 2 Em consonância com a perspectiva metodológica mencionada no parágrafo anterior, entendemos o texto materializado nos livros didáticos como um discurso, cuja estrutura, seleção e organização dizem muito a respeito do entendimento de ensino e de linguagem que o subsidia. Essa compreensão do dado central de análise como discurso materializado norteou o encadeamento de pesquisa percorrido. Deste modo, na primeira metade da pesquisa, foram realizadas leituras, estudos e fichamentos de textos teóricos acerca da perspectiva de ensino atualmente defendida, do conceito de análise linguística fundamental para este trabalho. Foram também realizados encontros de estudo e discussão sobre o material estudado e, posteriormente a leitura, análise e discussão dos documentos educacionais que fundamentam a análise dos livros, cujos resultados apresentamos neste relatório. Somente vencida essaetapa inicial, deu-se segmento à análise dos LD efetivamente. A estrutura do presente relatório compreende um capítulo que trata do conceito de análise linguística e do processo de ensino e aprendizagem da língua portuguesa a ele atrelado, um capítulo de fundamentação teórica no qual os pressupostos teórico- metodológicos mencionados nesta introdução são mais detalhadamente elucidados e um capítulo que contempla a análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do segundo ciclo do ensino fundamental; a Proposta Curricular do Estado do Amazonas e o Programa Nacional do Livro Didático. Por fim, apresentaremos mais dois capítulos: um apresentando uma breve discussão dos Livros Didáticos de Língua Portuguesa e os procedimentos metodológicos que advém da perspectiva dialógica do Círculo de Bakhtin, e, por último, são apresentadas as análises dos livros didáticos de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental I nas escolas da rede pública de Manaus. Nas considerações finais, mostraremos se o objetivo central da pesquisa foi alcançado e o que foi verificado na coletânea de Língua Portuguesa, daremos também nosso parecer sobre os resultados obtidos durante a pesquisa. 3 2. Análise Linguística: prática reflexiva no ensino da Língua Materna A acepção do termo análise linguística (AL), conforme o adotamos neste trabalho, surgiu nas discussões sobre o ensino de língua portuguesa em 1981, através de propostas e experiências docentes divulgadas pelo professor e pesquisador João Wanderley Geraldi e ganhou força com a publicação dos PCN de Ensino Fundamental II em 1998. Desde então, os debates sobre a proposta de análise linguística na escola tem sido cada vez mais constantes nos meios acadêmicos há mais de 25 anos. (SUASSUNA, 2012, p. 11) O surgimento dos documentos oficias como diretrizes apresentadas para uma nova abordagem de ensino impeliu os professores da área à tentativa de compreendê-los e aplicá-los de forma significativa, ancorados em uma concepção de linguagem não apenas como sistema ou como mero instrumento de comunicação mas, sobretudo, como forma de interação social. Assim, não podemos de maneira nenhuma deixar de lado a realidade dos espaços verbais e nem desconsiderar a grande relevância das várias maneiras sociais de comunicação para os estudos da língua, pois são exatamente nesses discursos diferentes que há o marco histórico da língua, a linguagem como produto da história será concebida no processo de usos da língua sejam complexos ou não, o fato é que a variedade linguística que a criança domina não é apenas sua, mas de outros, isto é, do grupo social deque participa, pois foi nas interações com sua família, amigos, colegas, vizinhos, pessoas do seu bairro que a criança agiu sobre a linguagem e constituiu-se sujeito do discurso. Nessa linha, podemos assumir a análise linguística como um dos eixos de ensino de língua, que engloba não somente os conhecimentos relativos à norma linguística de prestígio social, mas também aqueles que se relacionam com o texto e com o discurso, conforme defende Geraldi (1996): No quadro de uma concepção sociointeracionista da linguagem, o fenômeno social da interação verbal é o espaço próprio da realidade da língua, pois é nele que se dão as enunciações enquanto trabalho dos sujeitos envolvidos nos processos de comunicação social. (GERALDI, 1996) Assim, o linguista sugeriu uma proposta fixada na concepção sociointeracionista de linguagem para o ensino de língua portuguesa, em paralelo com a leitura e a escrita, 4 por meio da prática de análise linguística (também chamada de metalinguagem ou reflexão metalinguística). No geral, essa concepção sociointeracionista toma a linguagem como uma prática social/discursiva praticada entre sujeitos e em contextos sócio-históricos específicos, de modo que apresenta uma perspectiva de não neutralidade da língua, uma vez que por meio dela não apenas falamos, mas também nos constituímos e agimos socialmente. Nesse sentido, a linguagem é constitutiva, porque nunca estará acabada, fechada em seus usos ou completada já que é nos processos de interações de que a criança participa que estará aprendendo a dominá-la. Seguindo essa linha de pensamento, compreendemos que a autonomia para fazer as escolhas linguísticas mais expressivas e adequadas e as finalidades de quem discursa ou escreve depende, em sua maioria, de um trabalho escolar com a análise linguística. Trabalho esse que contribui, fundamentalmente, para lucidez dos mistérios das entrelinhas, para sensibilidade do jogo metafórico, para a formação de um leitor mais aguçado e, portanto, crítico. A análise linguística viabiliza também a conscientização do falante quanto aos modos de funcionamento da língua, em suas dimensões formais, textuais e discursivas. Desse modo, espera-se que o indivíduo maximize gradativamente suas práticas de letramento, de modo que se torne cada vez mais autônomo e crítico nas interações verbais de que participa, dentro ou fora dos muros da escola. Nesse sentido, conforme nos aponta Mendonça: Mesmo quando apenas fala algumas palavras, a criança está, na verdade, produzindo discurso: é a interação com o outro que importa e é para isso que ela procura aprender a falar (e escrever, posteriormente). O fluxo natural de aprendizagem é: da competência discursiva, para a competência textual até a competência gramatical (também chamada por alguns de competência linguística). (MENDONÇA, 2006) Conforme bem observou Mendonça (2006), o bom desempenho linguístico deve vir como consequência de um ensino que procura fazer uma reflexão sobre a linguagem e consciente sobre o papel dos elementos linguísticos e de suas escolhas discursivas em torno do funcionamento da língua. Portanto, as finalidades da análise linguística direcionam-se para os objetivos de formar competência de análise, isto é, de reflexão e ao conhecimento sobre aspectos de funcionamento da língua. Refletir sobre a linguagem é também ter domínio sobre ela e saber usá-la em diversos espaços e grupos sociais, de modo que agimos e expressamos por meio de discurso orais ou materializados em textos. 5 Outra dimensão de análise linguística implica na modificação de certos modelos e concepções, por meio de operações de mudanças profundas nos princípios gerais que norteiam o ensino de língua. O texto, por exemplo, como unidade básica do trabalho pedagógico e não a frase, a linguagem como acontecimento e não como produto de tarefas. Vale, para fins desta pesquisa, mencionar os conceitos propostos por Geraldi (1996) em relação às atividades de linguagem: atividade linguística, atividade epilinguística e atividade metalinguística. A compreensão desses conceitos ajuda no melhor entendimento da função da análise linguística no processo de ensino e aprendizagem da língua materna. Em todas essas atividades do sujeito há uma dimensão reflexiva, mas com graus distintos de reflexão e com objetivos distintos também e a análise linguística trabalha com tudo que envolva o uso da linguagem. Mediante a pesquisa, convém apresentar nesta discussão, uma breve distinção entre as atividades linguística, epilinguística e metalinguística. O termo análise linguística faz menção às atividades propriamente ditas, isto é, aos usos que fazemos da língua. Essa atividade se dá nos momentos cotidianos da comunicação da família e comunidade. Assim, a escola, a comunidade nesse processo, deve-se tornar um espaço de interação verbal, onde alunos irão interagir e refletir sobre tais usos. Já as atividades epililinguísticas dizem respeito à capacitação que todo falante deve ter sobre a linguagem, fazendo escolhas, avaliando os usos feitos durante o discursos, fazendo retomadas, corrigindo estruturas, dentre outras. Essa é marcada pela intuição e se constitui numa das bases da gramática internalizada do falante. (Geraldi, 1996) Com relação à atividades metalinguísticas pode-se considerar que é exatamente a atividade que se deve desenvolver na aula de Língua Portuguesa. Tem semelhança com as atividades epilinguísticas, no entanto, ultrapassa e se diferencia em suas ações, pois tem ações que se pratica de modo consciente, seu desenvolvimento é sistemático, é também resultado de algumas teorias. Com a atividade metalinguística, o professor estaria confrontando os alunos a determinados usos da linguagem e estimularia a capacidade linguística de cada aluno. No que tange à metodologia, as orientações atuais para o ensino da língua sugerem que o texto esteja no centro do processo de ensino-aprendizagem. O objetivo maior das aulas de português é o de formar cidadão, leitor e produtor de textos. 6 Entretanto, isso não será conseguido apenas com as práticas do ler e do escrever por si mesmas, mas com uma reflexão sistemática sobre essas práticas, reflexão que seja capaz de gerar teorias e explicações sobre o funcionamento dos textos e discursos e aplicações desses conhecimentos em situações novas. Por isso, defende-se que o ensino de língua portuguesa gire em torno de três práticas linguísticas fundamentais e articuladas: a leitura, a escrita e a análise linguística (SUASSUNA, 2012, p.21). A partir das considerações acima, torna-se necessário elucidar que a abordagem para o ensino de língua portuguesa atualmente proposta visa à transformação do ensino da língua materna, defendendo o trabalho com a leitura, a escrita e a análise linguística enquanto reflexão sobre a linguagem, para que o aluno atinja maior domínio sobre o sistema linguístico e seja capaz de agir sobre qualquer discurso, assumindo, assim, o papel crítico de um cidadão pleno. Embora a concepção interacional e reflexiva da linguagem seja bastante consolidada tanto em documentos e livros quanto em pesquisas, a AL muitas vezes é mal compreendida como um ensino renovado para se estudar gramática e não como um movimento de reflexão sobre o funcionamento da linguagem. “Não vale a pena recolocar a discussão pró ou contra a gramática, mas é preciso distinguir seu papel do papel da escola – que é ensinar língua padrão, isto é, criar condições para seu ensino” (POSSENTI, 1996, p. 54). Desde a implementação do ensino formal de Língua Portuguesa no Brasil e até meados da década de 80, a gramática consistia no único objeto de ensino dessa disciplina curricular. Nessa época, muito diferente do atual, não havia internet, a Linguística era ainda recente no Brasil e o texto ainda não era o “pretexto” de todas as aulas. Em contraponto a esse contexto, atualmente, em grande parte das aulas de português na educação básica, o texto passou a ser utilizado como pretexto para a abordagem de conteúdos gramaticais e, em alguns casos, as diferentes tecnologias passaram a ser mal empregadas. Essa prática tem sido adotada muitas vezes para dar conta da presença do texto no processo de ensino e decorre de um entendimento inadequado da proposta apresentada nos PCN de considerar o texto como centro do processo de ensino. Definir a abordagem do texto como pretexto consiste em inserir textos nas aulas de Língua Portuguesa por meio de uma leitura rasa, direcionada apenas para a finalidade de levar o aluno a localizar informações, a isolar frases e a trabalhar estruturas gramaticais, considerando superficialmente a construção do sentindo, dos gêneros, dos 7 sujeitos da interação verbal. Esquecendo completamente a finalidade do ensino proposta nos PCN de formar cidadãos leitores e críticos que saibam agir e como agir em espaços sociais distintos, dessa forma, não cabe apenas mostrar sentenças ou fragmentos do texto e usá-lo como metalinguagem, mas ir além, fazer com que que a criança tenha fruição e consequentemente a percepção da linguagem nos textos propostos sobre o que se lê, o que se escreve e o que se fala. Sabemos que hoje os meios materiais necessários para nos aproximarmos de um estágio melhor de ensino existem e o que era desprezado e visto como uma forma quase desnecessária para o saber se tornou possibilidade real com os PCN e com prática de análise linguística que está inserida como eixo de ensino nesse documento. Todavia, por mais que muitos professores ainda trabalhem dessa forma, o ensino de Língua Portuguesa vem passando, nos últimos anos, por mudanças que procuram melhorar a qualidade de ensino do texto como conteúdo de aprendizagem. Todo esse esforço político-pedagógico desdobra-se em “um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural (que) atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania” (BRASIL, 1998, p. 19). Dessa forma, compreendemos que há uma tentativa do deslocamento entre a aula de português tradicional, que, por não considerar a reflexão sobre a linguagem, visa apenas ao ensino de normas gramaticais, e a prática pedagógica de inclusão, que procura discutir acerca da linguagem, suas funções e práticas, que busca promover a constituição de um aluno-sujeito que entenda e respeite as variantes da sua língua, que seja capaz de apreender os pressupostos e não- ditos contidos nas entrelinhas dos textos, deslizando sobre os registros da língua, enfim, que faça ações através da linguagem. Essa proposta interacional, reflexiva e crítica de ensino aparece legitimada em documentos oficiais que orientam o exercício de novas práticas no processo de ensino e aprendizagem da língua portuguesa. No capítulo três deste relatório discutiremos alguns desses documentos que se voltam, particularmente à disciplina de língua portuguesa no segundo ciclo do ensino fundamental, antes, no entanto, será apresentada a perspectiva metodológica que orienta os encaminhamentos da pesquisa. 8 3. Perspectiva Arquitetônica e Dialógica da Pesquisa Os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa advêm da especificidade do objeto de estudo, conforme aponta Bakhtin (2010), quando trata do fazer científico em ciências humanas. Para o filósofo russo, o objeto de toda a pesquisa na área de humanas compreende o discurso produzido entre sujeitos em um dado contexto sócio- histórico-cultural e pela própria historicidade dos sujeitos de linguagem. Esse discurso é atravessado por vozes advindas de diferentes instâncias, bem como é dirigido a alguém com uma determinada intencionalidade. Brait (2010) nomeia essa perspectiva bakhtiniana para as ações de pesquisa como Análise Dialógica do Discurso (ADD) que consiste, fundamentalmente, na consideração das dimensões mais amplas do discurso e que excede sua materialidade, por isso compreendida como uma abordagem arquitetônica. A implicação de tal perspectiva para essa pesquisa consiste no fato de não se poder desconsiderar todo o contexto que envolve a produção dos livros didáticos, razão pela qual as diretrizes e demais documentos que subsidiam sua elaboração foram primeiramente analisados a fim de que a apreensão dos dados centrais não se restringisse à superficialidade de sua materialidade textual, mas levasse em conta o seu todo, o que inclui a dimensão maior que também o constitui. Nessa diretriz, os livros didáticos tomados como objetos de pesquisa são considerados em sua dimensão discursiva, dialógica, ideológica, cultural e sócio- histórica, sendo potencialmente orientados por uma perspectiva de ensino, de linguagem, de pressupostos teóricos que o orientam. No capítulo que segue, são contemplados os documentos acima referidos que constituem, juntamente com os livros didáticos, dados da pesquisa e que são tomados como a dimensão extralinguística de sua composição. 4. Orientações oficiais para ensino da Língua Portuguesa no segundo ciclo do Ensino Fundamental Há diversos documentos oficiais que se prestam à orientação dos docentes na condução do processo didático-pedagógico e na seleção dos conteúdos que devem ser 9 contemplados no mesmo. Tais documentos norteiam a interação ensino/aprendizagem, dão apoio às metodologias de ensino e trazem uma reflexão sistemática sobre essas práticas. Dentre as diretrizes paramétricas curriculares interessa, para fins desta pesquisa, os Parâmetros Curriculares Nacionais do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental (doravante PCN) voltados ao segundo ciclo do Ensino Fundamental (6º ao 9º anos) e a Proposta Curricular do Estado do Amazonas (doravante PCAM), além do Programa nacional do Livro Didático (PNLD) a elas atrelado, dado o objeto deste estudo corresponder a um livro didático direcionado a este segmento de ensino e adotado por escolas da rede pública do estado do Amazonas. Neste capítulo, será realizada uma análise descritiva desses documentos, uma vez que se optou pelo aporte metodológico ancorado na perspectiva bakhtinina para realização desta pesquisa, isto é, considerando o objeto de análise - livro didático - como a materialização de um discurso que se insere hierarquicamente no escopo dos documentos acima mencionados. Na seção a seguir apresentaremos a análise dos PCN, em razão dos demais documentos estarem vinculados a essa proposta inicial. 4.1. Os Parâmetros Curriculares Nacionais A base ideológica fundamental dos PCN consiste na criação de condições nas escolas que permitam aos jovens o acesso ao conjunto de conhecimentos sociais reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania. Espera-se que os PCN sirvam como suporte para as discussões e o desenvolvimento do ensino-aprendizagem na escola, para as reflexões feitas em função da prática pedagógica, como também para o planejamento dessas práticas e que, assim, contribuam para formação e atualização profissional. Um dos objetivos pautados nos PCN para o ensino fundamental indica que “os alunos devem capazes de utilizar as diferentes linguagens, seja verbal, musical, matemática, gráfica, plástica, corporal, para que possam usá-la como meio de produção, expressão e comunicação de seus pensamentos, interpretar e usufruir das produções, de modo que atendam as diferentes intenções e situações de comunicação (BRASIL, 1998, p. 7-8). No que diz respeito ao ensino de LP, especificamente na área da linguística aplicada, muitos pesquisadores vêm se dedicando a buscar sugestões de como 10 concretizar, na prática, as orientações apresentadas nos PCN. Conforme esse documento, a assunção do texto como a “unidade básica de ensino” possibilita a produção de textos de modo a dar espaço a diferentes vozes que emergem em sala de aula, compreendidas como representações de realidades sócio-históricas distintas. Optando por essa forma de tratamento dos textos, os professores estarão aceitando a ideia de que eles não seguem padrões fechado, que só permitem uma interpretação, e sim que há uma variedade de leituras possíveis que se constroem na co- interação leitor-texto. Pensando nisso, os PCN apresentam algumas propostas no trabalho com os conteúdos nas diferentes práticas, que possibilitem o aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita, para que, a partir disso, escolha os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre três dimensões: pragmática, semântica e gramatical. Sobre essas dimensões, alguns processos que devem ser viabilizados ao aluno, são enfatizados no documento.  Processo de escuta de textos orais:  nele, espera-se que o aluno aumente, de forma progresiva, o conjunto de conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção do sentido dos textos;  reconheça a contribuição complementar dos elementos não-verbais (gestos, expressões faciais, postura corporal);  utilize a linguagem escrita, como necessário, como apoio para registro, documentos e análise;  amplie a capacidade de compreender as intenções de quem discursa, de modo que, aceite ou recuse as posições ideológicas sustentadas em seu discurso.  Processo de leitura de textos escritos:  neste, espera-se que o aluno saiba escolher textos segundo seus interesses e necessidades;  leia, de maneira autônoma, textos de gêneros e temas que sejam familiares;  também seja receptivo a textos que rompam com o limite de suas espectativas, por meio de leituras desafiadoras para sua condição atual, de forma que apoie em marcas formais do próprio texto ou em orientações oferecidas pelo professor;  troque experiências com outros leitores em relação ao textos lidos, tendo posicionamento crítico;  compreenda a leitura em suas diferentes dimensões - dever, necessidade e prazer de ler;  seja capaz de aceitar ou recusar as posições ideológicas que reconhecer nos textos que lê.  Processo de produção de textos orais:  espera-se, nele, que o aluno planeje a fala pública usando a linguagem escrita em função do que cada situação exige;  considere cada papel assumido pelos participantes, adequando os textos à variedade linguística de cada um; 11  observe seu desempenho oral, levando em conta a intenção comunicativa e a reação dos interlocutores, quando necessário, reformule o planejamento prévio;  saiba utilizar e valorizar o repertório linguístico de sua comunidade ao produzir textos.  Processo de produção de textos escritos:  nesse, espera-se que o aluno escreva diferentes tipos de textos, estruturando-os de maneira a garantir relevância, continuidade, explicitação e explicação;  realize escolhas de elementos lexicais, sintáticos, figurativos e ilustrativos, adequando-os as circunstâncias, formalidade e propósitos da interação;  utilize com propriedade e desenvoltura os padrões da escrita em função das exigências do gênero e das condições de produção;  analise e revise o próprio texto em função dos objetivos estabelecidos, da intenção comunicativa e do leitor a que se destina.  Processo de análise linguística:  neste processo, por fim, espera-se que o aluno constitua um conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem e sobre o sistema linguístico relevantes para as práticas de escuta, leitura e produção de textos;  aproprie-se dos instrumentos de natureza procedimental e conceitual necessários para a análise e reflexão linguística (delimitação e identificação de unidades, compreensão das relações estabelecidas entre as unidades e das funções discursivas);  seja capaz de verificar as regularidades das diferentes variedades do Português, de forma que reconheça nelas valores implicados e, consequentemente, o preconceito contra as formas de fala diferentes da forma padrão. (BRASIL, 1998, p. 49-52) Nesse sentido, há uma relação estreita entre o que e como se deve ensinar. O professor, ao planejar sua ação, precisa considerar de que modo as capacidades pretendidas para os alunos ao final do ensino fundamental são traduzidas em objetivos no interior do projeto educativo da escola. São essas finalidades que devem orientar a seleção dos conteúdos e o tratamento didático que estes receberão nas práticas discursivas (BRASIL, 1998, p. 65). Nas situações do ensino de língua, também é fundamental a mediação feita pelo professor, pois cabe a ele apresentar ao aluno, no processo de interlocução, como é importante considerar verdadeiramente a palavra que o outro assume, independente se ele concorda ou não. De um lado, sabe-se que as opiniões do outro apresentam possibilidades de análise e reflexão sobre suas próprias opiniões; na contrapartida, sabe- se também que ao considerar o discurso do outro, o aluno estará demonstrando consideração pelo outro. Nesse sentindo, os PCN afirmam que "a mediação do professor cumpre o papel fundamental de organizar ações que possibilitem aos alunos o contato crítico e reflexivo com o diferente e o desvelamento dos implícitos nas práticas de linguagem". (BRASIL, 1998, p. 48). De acordo com essa perspectiva, deveria fazer 12 parte do ensino e aprendizagem da língua portuguesa a reflexão sobre a linguagem, como indicam os Parâmetros: Tomando-se a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o falante tem de sua linguagem, as atividades curriculares em Língua Portuguesa correspondem, principalmente, a atividades discursivas: uma prática constante de escuta de textos orais e escritos, que devem permitir, por meio da análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e a construção de instrumentos que permitem ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência discursiva (BRASIL, 1998, p. 27). Para ampliar essa competência discursiva, os PCN sugerem um movimento metodológico que parte da ação à reflexão que, por sua vez, desencadeia novamente a ação, o que permite incorporar a reflexão nas atividades linguísticas com os alunos. O trabalho com a linguagem deve partir por uma ação que leve a criança a refletir, isto é, a compreender as diretrizes que envolvam a linguagem, de modo que volte para ação. Essa dinâmica didática promove, no aluno, a aprendizagem de um conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem e sobre o sistema linguístico relevantes para a prática de escuta, leitura e produção de texto. Em decorrência disso, os conteúdos de LP articulam-se em torno de dois eixos básicos: o USO da língua oral e escrita e a REFLEXÃO sobre língua e linguagem, entendendo a articulação dos conteúdos nos eixos como um processo cujo ponto de partida e a finalidade do ensino da língua está na produção/recepção dos discursos. Em função de tais eixos, os conteúdos propostos nos PCN devem estar organizados nos processos, já citados acima, de Prática de escuta e de leituras de textos e Prática de produção de textos orais e escritos, ambas articulando-se no eixo do USO, e, de Prática de análise linguística, organizada no eixo REFLEXÃO. Os conteúdos que constituem as práticas de leitura e produção textual estão no eixo USO e dizem respeito ao processo de interlocução, que devem considerar, conforme apontado no documento:  historicidade da linguagem e da língua;  constituição do contexto de produção, representações de mundo e interações sociais;  implicações do contexto de produção na organização dos discursos: restrições de conteúdo e forma decorrentes da escolha dos gêneros e suportes;  implicações do contexto de produção no processo de significação. (BRASIL, 1998, p. 35) 13 Os conteúdos do eixo REFLEXÃO, desenvolvidos sobre os do eixo USO, dizem respeito à construção de instrumentos para análise do funcionamento da linguagem em situações de interlocução na escuta, leitura e produção, privilegiando alguns aspectos linguísticos que possam aumentar a competência discursiva do sujeito. São eles:  variação linguística: modalidades, variedades e registros;  organização estrutural dos enunciados;  léxico e redes semânticas;  processos de construção de significação;  modo de organização dos discursos. (BRASIL, 1998, p. 36) Dessa forma, pode-se perceber que não se encontra nos PCN uma lista propriamente dita de tópicos gramaticais a serem trabalhados em cada ciclo e, sim, alguns aspectos linguísticos que podem ser explorados em conjunto com os textos. Quanto a isso, os PCN relatam: [...] A mediação do professor, nesse sentindo, cumpre o papel fundamental de organizar ações que possibilitem aos alunos o contato crítico e reflexivo com o diferente e o desvelamento dos implícitos das práticas de linguagem, inclusive sobre aspectos não percebidos inicialmente pelo grupo - intenções, valores, preconceitos que veicula, explicitação de mecanismos de desqualificação de posições - articulados ao conhecimento aos recursos discursivos e linguísticos (BRASIL, 1998, p. 48). Como se pode depreender, a reflexão sobre a linguagem é fundamental para o desenvolvimento da capacidade discursiva do aluno, pois “um dos aspectos da competência discursiva do aluno é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentidos e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita” (BRASIL, 1998, p. 23). Portanto, pela sua própria constituição, se a gramática tradicional não dá conta da descrição de usos efetivos da língua, a prática de análise linguística proposta inicialmente por Geraldi e legitimada nos PCN cumpre o papel de preencher essa lacuna no percurso pedagógico do aluno. A partir das considerações acima, vale ressaltar que o trabalho ora proposto diz respeito exatamente à análise linguística. Nossa intenção, mais especificamente, é formular uma reflexão sobre como são vistos os conteúdos gramaticais em contexto de ensino e aprendizagem de língua materna contemplados nos livros didáticos que orientam a prática docente dos professores de língua portuguesa de escolas públicas de 14 Manaus, razão pela qual, na próxima seção, o documento analisado consiste na Proposta Curricular do Amazonas. 4.2. A Proposta Curricular do Estado do Amazonas A Proposta Curricular do Ensino Fundamental das escolas públicas do Estado do Amazonas (PCAM) tem como pressuposto vincular o conhecimento à aquisição de competências, consolidando a preparação para o exercício da cidadania e propiciando formação básica para o trabalho. Neste documento consta uma orientação sobre o trabalho que deve ser feito com a análise linguística, o que deve ser explorado, o que se espera que o aluno faça ao usar a linguagem. Indica ainda que o aluno, através da prática de análise linguística, pode usar conhecimentos que ampliem a capacidade de observar as variadas possibilidades de uso da língua, expandindo cada vez mais a capacidade de análise crítica. Quanto a isso cabe retomar o que apresenta o documento. No processo de ensino-aprendizagem dos diferentes ciclos do Ensino Fundamental, espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobre tudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania. (AMAZONAS, p. 27) Pode-se observar a amplitude que o ensino ancorado na prática de análise linguística pode produzir no ensino da linguagem, de modo que induza a criança a compreender o sistema da língua e aprenda a lidar com a linguagem de diversos modos. Assim, esse documento também se detém a apresentar soluções para o ensino da língua portuguesa na sala de aula, soluções que ultrapassam os limites da gramática, que estão muito além do ensino mecanizado e memorizado, mas que faça o aluno além de interagir socialmente por meio da linguagem, refletir sobre o uso dessa linguagem. Uma vez que a linguagem materializa-se em textos, o objetivo maior da disciplina língua portuguesa deve ser levar o aluno a dominar essas práticas de linguagem, promovendo nele a capacidade de agenciamento dos diferentes mecanismos que encerram a produção de sentidos de um texto. 15 Nessa diretriz, a análise linguística não nega o ensino e aprendizagem da gramática, mas apresenta uma mudança da concepção de gramática e de seus objetivos na escola, enfatizando as funções dos elementos e a articulação na composição da linguagem em diferentes instâncias interacionais, conforme se pode verificar na apresentação das propostas gerais de LP apontadas na PCAM.  utilizar a linguagem e na produção de textos orais, na leitura, como também na produção de textos escritos de modo que atenda as múltiplas demandas sociais:  responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar as várias condições de discurso;  utilizar a linguagem para estruturar a experiência e explicar a realidade, operando sobre as representações construídas em várias áreas do conhecimento;  saber como proceder para ter acesso, compreender e fazer o uso de informações contidas nos textos, reconstruimdo o modo pelo qual se organizam em sistemas coerentes;  ser capaz de operar sobre o conteúdo representacional dos textos, de modo que identifique aspectos relevantes, organize notas, elabore roteiros, resumos, indíces, esquemas e etc;  aumentar e aprofundar seus esquemas cognitivos pela ampliação do léxico e de suas respectivas linhas semânticas;  analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio, desenvolvendo a capacidade de avaliação dos textos;  reafirme sua identidade pessoal e social;  conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português, buscando combater o preconceito linguístico;  reconhecer e valorizar a linguagem do seu grupo social como instrumento adequado e eficiente na comunicação cotidiana, na elaboração artística e mesmo nas interações com pessoas de outros grupos sociais que se expressam por meio de outra variante;  usar conhecimentos adquiridos por meio da prática de análise linguística para expandir sua capacidade de monitoração das possibilidades de uso da linguagem, ampliando a capacidade de análise crítica. (AMAZONAS, p. 27-28) Essas propostas apontam o encaminhamento da PCAM e compreendem as reflexões e os debates de ensino e aprendizagem como princípios pedagógicos de identidade, diversidade, autonomia, interdisciplinaridade, contextualização de uma proposta em construção para emancipação social. Assim, percebe-se que a escola não é o espaço para a produção exclusiva do fazer científico, mas também para o ensino e a aprendizagem de conhecimentos objetivados, construídos pelo homem, tanto quanto para o desenvolvimento de habilidades para os diferentes usos da linguagem, no caso do ensino de LP. Nesse aspecto, a PCAM orienta "trabalhar conceitos, procedimentos e atitudes que explorem os conhecimentos prévios dos alunos, estabelecem novos paradigmas ou 16 criam confronto entre diferentes maneiras de pensar, com o objetivo de gerar uma discussão favorável à reformulação da aquisição dos conhecimentos e ao consequente ensino-aprendizagem" (AMAZONAS, p. 14). Essa perspectiva que orienta o trabalho com processos de conteúdos, procedimentos e atitudes citados acima, insere-se numa breve síntese de César Coll (1996) que descreve sobre o que consiste a aprendizagem em cada uma dessas categorias. Simplificando, pode-se dizer que:  conceitos; identificar, reconhecer, classificar, descrever e comparar objetos, acontecimentos ou ideias, [...];  procedimentos: ser capaz de utilizá-lo em diversas situações e de maneiras distintas, para resolver os problemas colocados e atingir as metas travadas, [...];  atitudes: ser capaz de auto-avaliação de acordo com cada príncipio normatizado por algum valor [...]. (COLL apud AMAZONAS p.13) Diante disso, vale ressaltar, que a PCAM está em consonância com os PCN, no sentido de não privilegiar a simples transmissão do conhecimento, mas estabelecer relações importantes à compreensão de conceitos. Os aspectos (anteriores) da proposta são ressignificados para a concepção de ensino e aprendizagem, para a concepção do aluno e para a concepção do professor, pois professor e aluno são sujeitos da aprendizagem na medida em que se voltam para a circunstância da realidade com a finalidade de conhecê-la e compreendê-la e, se for o caso, transformá-la. Nesta seção, procurou-se apresentar a concepção de ensino de LP presente na PCAM e, ao mesmo tempo, apresenta-la como uma extensão dos discursos subjacentes aos PCN. Na seção a seguir trataremos do Programa Nacional do Livro Didático que subsidia os critérios de análise e seleção dos livros didáticos que se afinam às propostas dos documentos analisados nas seções 3.1 e 3.2 e que, portanto, indicia o que se pode esperar como resultado das análises dos dados centrais da pesquisa. 4.3. O Programa Nacional do Livro Didático O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como objetivo, "guiar o professor a escolher os livros didáticos mais adequados para o ensino nas escolas, neste 17 caso, do Ensino Fundamental. O guia foi elaborado a partir de critérios no processo de avaliação voltadas para as especificidades das escolas com o intuito de subsidiar os trabalhos dos docentes que atuam nas escolas do campo" (BRASIL, 2016, p.7). Já mencionamos que o trabalho feito até aqui consistiu em apresentar a análise linguística como prática de ensino de LP e o modo como os documentos oficiais orientam a abordagem dessa prática reflexiva. Por essa razão, faz-se pertinente falar sobre o PNLD, já que este documento intenta para a escolha adequada dos livros didáticos explorados na sala de aula. Além disso, os conteúdos nos livros didáticos avaliados pelo PNLD orientam os docentes nas práticas de ensino. Verificaremos o que o PNLD trás em relação ao livro didático de português e às propostas de conteúdos. É interessante observar alguns critérios que orientam a avaliação dos livros didáticos para as escolas do campo destinadas ao Ensino Fundamental, neles estão definidos um padrão consensual mínimo de qualidade para as obras didáticas. Dessa maneira, a avaliação dos livros didáticos no PNLD levou em conta um conjunto de princípios e critérios eliminatórios comuns a todos os componentes curriculares, de acordo com os termos das áreas de conhecimento envolvidas em cada disciplina curricular. Os critérios comuns de avaliação observados pelo PNLD são os seguintes:  respeitar a legiislação, as diretrizes e as normas oficiais relativas ao Ensino Fundamental, as séries iniciais, com as especificidades de cada campo;  observação nos princípios éticos necessários a construção da cidadania e a relação social republicano;  coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica assumida pela obra, no que diz respeito a proposta didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visados;  correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos;  observação nas características e finalidades específicas do Manual do Professor e adequação do livro do aluno na proposta pedagógica nele apresentada;  adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didático-pedagógicos da obras. (BRASIL, 2016, p. 17) Para o PNLD, os critérios acima são necessários para que haja uma seleção de obras de melhor qualidade para o ensino e aprendizagem, principalmente para os alunos que constituem o pilar do processo de ensino. Em relação às obras relacionadas foram encontrados nas coletâneas aceitas alguns aspectos referentes à disciplina português que são bastante pertinentes como: coletânea textual composta por diversos gêneros; 18 experiências diversificadas em função da leitura que se constituem como instrumento de acesso do aluno à cultura escrita; a recorrência, na extensão da coleção, de diferentes formas de linguagem; as atividades que colaboram para a formação de leitores, propondo estratégias variadas e explorando múltiplas dimensões do universo textual; as atividades de leitura diversificadas e exploram tanto informações explícitas em questões de localização de informações quanto informações inferidas no texto. Dessa forma, pode-se dizer que o programa apresenta princípios que se voltam à melhoria das práticas pedagógicas. Destaca-se que a prática de análise linguística se aplica aqui, simultaneamente à leitura e à produção de textos encontrados nas obras avaliadas pelo PNLD. No que diz respeito à leitura, a AL ajudaria em apreciar e compreender os diversos efeitos de sentido presentes no texto, no que diz respeito à produção de textos, a AL auxilia na apreensão do que é subjetivo no texto em relação ao autor e aos sentidos que ele propõe ao leitor. Nesse sentindo, os princípios e critérios de avaliação para os livros didáticos do programa também tem o mesmo olhar que os documentos oficiais aqui abordados (os PCN e o PCAM) de que o ensino de LP tem, antes de tudo, o objetivo de formar cidadãos leitores e produtores de textos em suas mais diversas configurações, através das práticas articuladas, como sugere Geraldi (1996), de leitura, produção de textos e análise linguística. Mediante a pesquisa verificamos que os documentos apresentados são resultados de um extenso trabalho que contou com a participação de muitos educadores colaborando com suas experiências e com seus estudos, possibilitando assim que fossem feitos no contexto das discussões pedagógicas atuais. Dessa forma, os documentos oficiais subsidiaram a pesquisa no que tange ao ensino de LP em relação à prática de análise linguística. Pode-se constatar que o uso da linguagem como forma de reflexão ganhou e continua ganhando espaço nas discussões feitas em documentos oficiais que visam à melhoria da educação no país. A partir dos resultados obtidos, acreditamos ser relevante o desenvolvimento de trabalhos e políticas de formação docente que apresentem estratégias de promoção da AL e que destaquem a importância da reflexão sobre a língua nas práticas de ensino do professor de português. 19 Seguimos com a segunda parte desse relatório, partindo para a proposta principal, analisar os livros didáticos de Língua Portuguesa no segundo ciclo do Ensino Fundamental. 5. Breve discussão sobre o Livro Didático de Língua Portuguesa no segundo ciclo do Ensino Fundamental Durante muito tempo, se tem ouvido falar da deficiência do ensino no Brasil, em especial, do ensino de Língua Portuguesa. Isso acontece devido ao fato de a disciplina não contribuir com a formação de alunos-leitores, nem com a ampliação de suas expressões orais e escritas, principalmente a escrita. Quem nunca escutou ou até mesmo falou que a disciplina de português é uma “disciplina difícil”, que “português é chato”? As vozes que efetuam esses dizeres são dos próprios discentes que desanimados e por se sentirem incapazes de entender a disciplina, acabam concluindo que estudar português serve apenas para passar nos concursos públicos e nada mais além disso. Além disso, ouvimos professores de Língua Portuguesa reclamando sobre a ineficiência linguística dos seus alunos, que não entendem as peculiaridades da língua, que não leem, que não usam outras expressões para discursar, que não querem compreender a Língua Portuguesa, assim como ouvimos professores de outras disciplinas atribuírem culpa de todas essas questões à falta de competência do professor de Língua Portuguesa para ensinar o que estes consideram elementar, isto é, escrever e compreender um simples texto. Essas queixas vêm fazendo com que os sistemas educacionais discutam currículos e proponham mudanças para o ensino de Língua Portuguesa. Muitos estudiosos da língua têm pesquisado acerca da deficiência desse ensino. Certamente, nunca se viu tantas pesquisas sobre o fracasso do ensino de Língua Portuguesa e da necessidade de surgirem novas propostas de ensino. Sabemos que em boa parte das salas de aula não se encontram respostas de como efetivar esse ensino, pois a língua da escola, do professor e dos livros didáticos estão longe da realidade dos alunos. Desse modo, o desempenho linguístico-discursivo ineficiente ocorre, em parte, porque o ensino de Língua Portuguesa está sendo mal feito: durante os oito anos (ou mais) de Ensino Fundamental pelos quais o aluno passa na escola há um estudo 20 exagerado de definições, memorização de regras, macetes e classificações, reconhecimento de estruturas gramaticais que pouco (ou nada) contribuem para o domínio das habilidades de uso da língua, fazendo com que apenas o aluno reconheça que ele não sabe português, que escrever é complicado, que ler é difícil. Assim, falta o prazer para ler, falta a leitura proficiente de textos, falta ter o que escrever, como escrever e para quem escrever. Enfim, há uma lacuna nas funções sociais e no domínio da leitura e da escrita (SCHLICKMANN, 2011, p.2). Nessa situação, é necessário propor soluções na reestruturação da política educacional, no que tange à completude do seu sistema, porém, sabemos que essas soluções vão além da estrutura sistêmica per si, está também na necessidade de mudança de concepção de linguagem e de ensino de língua, dos objetivos e do objeto de ensino das escolas. Em suma, de um novo entendimento acerca da função social da linguagem do qual derivam todas as demais questões. Essas mudanças deveriam começar na abordagem de conteúdos dos livros didáticos de Língua Portuguesa no segundo ciclo do Ensino Fundamental, pois muitos professores ainda os tem como seu principal referencial teórico e metodológico. Sabemos que é nessa etapa que os alunos estão mais propícios à instigação da leitura, da escrita, do interesse em relação à concepção de linguagem que os é apresentada, todavia, o que mais se vê são conteúdos ministrados que não visam nenhum desses aspectos, pelo contrário, visam apenas as teorias gramaticais, padrões rígidos da gramatica normativa, repetindo o ensino de outrora. Desse modo, segundo Schlickmann (2011), o livro didático, muitas vezes, reproduz teorias pedagógicas que refletem uma política educacional excludente e preconceituosa. É necessário, portanto, fazer relação entre o material didático e a política pedagógica do dia-a-dia da escola, de modo a se alinhar à política educacional, às teorias pedagógicas vigentes, à cultura escolar mas, também, à própria sociedade. Nesse contexto, a linguagem apresentada pelo professor, pela escola e principalmente pelo livro didático deve considerar os usos dos alunos em casa com a família, com os amigos, com os vizinhos, na interação aluno-professor, ou seja, com o grupo social que representa a realidade dos discentes, pois, são nesses discursos que os alunos interagem. Em conformidade com o que Geraldi (1996) chama de “espaço 21 próprio da realidade da língua”, pois é nele que se dão as enunciações enquanto trabalho dos sujeitos envolvidos nos processos de comunicação social. Sabe-se que a abordagem de língua proposta em muitos livros didáticos de português infelizmente ainda segue os padrões de outrora, baseia-se na normatividade e nas definições dos estudos gramaticais. Um ensino fixado mais na metalinguagem do que na língua e na contramão das teorias linguísticas que abordam a linguagem como uma atividade humana, histórica e social, que denunciam o preconceito linguístico existente ao se privilegiar somente a variante padrão da língua. Segundo Schlickmann, é nesse contexto, preocupado com a necessidade de melhorar a qualidade de ensino no país, que o MEC publica, em 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. É prioridade para os PCN (2000), capacitar o aluno para que este possa interpretar textos dos mais diversos gêneros que circulam socialmente e possa produzi-los nas mais diferentes esferas da comunicação social. Dessa forma, a proposta é de um redimensionamento no objeto de ensino da Língua Portuguesa, tomando o texto como a unidade básica de ensino e a noção de gênero, constitutiva do texto, como objeto de ensino e aprendizagem. Os conteúdos de Língua Portuguesa passam a ser, assim, a prática de leitura de textos escritos e escuta de textos orais, prática de produção de textos escritos e orais e prática de análise linguística, numa clara alusão às propostas de Geraldi (2000). Desse modo, seguindo as recomendações propostas pelos órgãos oficiais de ensino explorados nos capítulos anteriores desse relatório, expostas, principalmente nos PCN, partiremos com a etapa principal e final desta pesquisa tendo como objetivo central analisar a prática de análise linguística nos livros didáticos de Língua Portuguesa no segundo ciclo do Ensino Fundamental, investigando os princípios teóricos e as metodologias propostas. Para alcançar tal objetivo, será dada procedência à análise efetiva dos materiais coletados, a saber, a coleção didática de Língua Portuguesa das séries do segundo ciclo do Ensino Fundamental recomendadas pelo MEC e adotadas por escolas da rede pública de Manaus, Amazonas. 22 6. Análise dos Livros Didáticos de Língua Portuguesa do 6° ao 9° anos Apresentaremos aqui algumas reflexões acerca de atividades propostas nos livros didáticos de Língua Portuguesa. A pesquisa que descrita neste projeto orienta-se pelo objetivo principal de analisar a abordagem gramatical nos livros didáticos de Língua Portuguesa nas escolas da rede pública de Manaus, Amazonas. Tal objetivo desdobra-se em objetivos secundários, os quais sejam: (1) Identificar a organização estrutural dos livros, e a distribuição dos conteúdos neles contemplados; (2) Verificar a adequação dos conteúdos de linguagem adotadas nos livros analisados de acordo com as diretrizes paramétricas do MEC, considerando a série a que se destina; (3) Identificar se a perspectiva reflexiva da linguagem aparece contemplada nas atividades propostas nas unidades de cada um dos livros; (4) Verificar a relação de continuidade ou descontinuidade de conteúdos de linguagem entre os livros das quatro séries do fundamental l, a fim de verificar a adequação à proposta de ensino de LP para o segundo Ciclo desse segmento escolar. Visando alcançar tais objetivos propostos, começaremos partindo de um traço comum em todos os livros didáticos, a apresentação dos mesmos. Toda coletânea possui uma apresentação, uma forma com que leitor espera saber o que irá encontrar antes de ler o conteúdo do livro. 23 APRESENTAÇÃO Interagir, compreender as mudanças trazidas pelo tempo, conviver com diferentes linguagens e comunicar-se são desafios que enfrentamos no nosso dia a dia. Este livro foi feito pensando em você e tem por finalidade ajuda-lo nesses desafios e contribuir para sua formação como leitor e produtor de textos. Mas também tem outros objetivos: aguçar a imaginação, informar, discutir assuntos polêmicos, contribuir para aflorar emoções, estimular o espírito crítico e, principalmente, tornar seus estudos prazerosos. O que você encontrará aqui? Textos de diferentes tipos de gêneros: letras de música, histórias, notícias, reportagens, relatos, textos expositivos, argumentativos, debates, charges, quadrinhos, poesia e outras artes... E muita reflexão sobre usos e formas de organizar a língua portuguesa, instrumento fundamental para você interagir e se comunicar cada vez melhor. Venha participar de atividades bem diferenciadas para serem realizadas ora sozinho, ora em dupla, ora em grupo, ora em projeto interativo que envolve todos os alunos na construção de um produto final. O convite está feito! Bom estudo! As autoras A apresentação sobre o livro didático é uma forma de “vender o produto”, pois é nela que estarão os objetivos traçados pelos autores, os possíveis conteúdos que serão abordados, a possibilidade de encontrarmos ou não reflexões sobre os conteúdos apresentados nele e a instigação de fazer o leitor a prosseguir com a leitura. Mas será que a partir da apresentação teremos certeza de que o livro didático cumprirá com todas essas coisas? Podemos observar na apresentação acima, que sua finalidade é o objetivo principal dos PCN, formar cidadão leitores e produtores de textos, isto é, leitores críticos. E, a partir disso, outros objetivos secundários surgem. Após isso, as autoras passam a mostrar o que os alunos irão encontrar nos livros, como gêneros textuais, a perspectiva sociointeracionista da linguagem e a prática de análise linguística que traz reflexão sobre os usos e formas da língua. 24 Vale ressaltar, que a princípio não vemos nenhum enfoque sobre a sistematização da linguagem, no que tange ao núcleo cru da língua e muitos menos que encontraremos os textos fragmentados ou utilizados como pretexto para o ensino de gramática normativa. Assim, verificaremos agora se tudo que está proposto nesta apresentação realmente acontece como ensino de linguagem. Passaremos então a analisar a organização estrutural dos livros e como estão distribuídos os conteúdos e principalmente se o objetivo principal dos livros – contribuir na formação de leitor e produtor de textos – concretiza-se nas atividades propostas em seu interior e na sua composição estrutural interna, por meio de atividades que incitem questionamentos acerca dos textos ou se trata-se apenas de uma maquiagem externa para admissão junto ao PNLD. 6.1 Organização Estrutural e Distribuição dos Conteúdos dos Livros Didáticos Nesta seção, faremos observações sobre o que os livros didáticos trazem logo de início a respeito da LP. Na coletânea, os livros possuem uma parte chamada “Conheça seu livro de Língua Portuguesa”, nela estão inseridos os conteúdos de linguagem que permearão as unidades. São quatro temas que desdobram-se em outros temas. O primeiro é chamada de “Abertura da unidade”. Nela está inserida o subitem “Ponto de partida” que trabalha com imagem e texto. Em seguida, está o “Capítulos” que contempla “Leitura”, “Interpretação de texto”, “Compreensão e Construção do texto e Linguagem do texto”, “Prática de Oralidade”, “Língua; usos e reflexão”, “Hora de organizar o que estudamos”, “Conexões” e “Produção de texto”, após está o “Fechamento da unidade” o qual possui o “Ponto de chagada” e, por fim, o “Fechamento do livro” que se baseia no “Projeto de leitura” e na “Unidade suplementar”. É interessante observar os títulos expostos aqui, pois remetem à organização de conteúdos de linguagem vistos nos PCN que tem como base central o texto. Podemos observar também que os livros não estão divididos em conteúdo de “Redação”, 25 “Gramática” e “Literatura”, pelo contrário, esses aspectos apresentam-se espalhados dentro desses títulos. Vale ressaltar que no título “Capítulos” há subitem com a proposta da análise linguística – objetivo central desta pesquisa – chamado “Língua: usos e reflexão”. O que nos dá a expectativa de que iremos encontrar o trabalho com a linguagem de modo diferenciado do ensino tradicional, que focava apenas em sistematizar a linguagem ao invés de mediar a compreensão e a reflexão sobre a língua. Tomando-se a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o falante tem de sua língua, as atividades curriculares em Língua Portuguesa correspondem, principalmente, a atividades discursivas: uma prática constante de escuta de textos orais e leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escritos que devem permitir, por meio da análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de instrumentos que permitam ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência discursiva. (BRASIL, 1998, p. 27) Sobre os sumários dos livros didáticos, estruturam-se e organizam-se da mesma forma. Todos os volumes estão divididos em quatro unidades, cada unidade possui dois capítulos, no total de oito capítulos em cada volume, cada unidade é identificada por um ícone amarelo, que se repete nas páginas ímpares. Cada capítulo tem como base do estudo um ou mais textos de leitura no gênero a ser explorado, a interpretação de texto é dividida em momentos de compreensão, construção do texto e linguagem do texto para desenvolver com mais eficácia as habilidades de leituras. Na seção prática de oralidade entende-se que o aluno irá conhecer e produzir diversos gêneros orais, de acordo com o tema ou gênero em estudo, em língua: usos e reflexão se estuda as estruturas linguísticas do gênero em foco, é a seção que mais nos interessa, pois está inserida a prática de análise linguística. A seção conexões poderá trazer textos em diferentes linguagens verbais e não verbais a fim de que se encontre as ligações do texto trabalhado no capítulo com outros contextos de produção e, por fim, na seção produção de texto, podemos encontrar produções de textos orais e escritos aplicados ao que foi estudado no capítulo. Um traço bem comum nos volumes analisados é que a maioria inicia com um texto para leitura. Mas será que esses textos estão sendo utilizados para tratar do 26 trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto? Ou apenas para uso de ensino da gramática normativa? Para Geraldi (2002), as leituras apresentadas pela maioria dos livros didáticos, normalmente, não respondem a nenhum interesse mais imediato daqueles que sobre os textos se debruçam. Para o autor, é necessário pensar nas práticas de ensino na leitura, exercício produtivo que leve dessa prática uma produção de sentido. De acordo com os PCN, os textos submetem-se às regras linguísticas dos gêneros do discurso em que está organizado. No 3° e 4° ciclo do Ensino Fundamental, os alunos ou desistem de ler por não conseguirem responder às demandas postas pela escola, ou passam a ter autonomia frente aos desafios impostos pela leitura. Desse modo, a prática de análise linguística se dará nas práticas de leitura e escuta de textos em exercícios que centram o estudo do texto de forma universal. Segundo Geraldi (2002), deve-se valorizar a forma do texto como um todo e não apenas fragmentos ou partes dele para utilizá-lo como atividades de reconhecimento de uso gramatical ou personagens e muito menos somente para responde-lo como questões de compreensão e interpretação. A seleção de textos para leitura ou escuta oferece modelos para o aluno construir representações cada vez mais sofisticadas sobre o funcionamento da linguagem (modos de garantir a continuidade temática nos diferentes gêneros, operadores específicos para estabelecer a progressão lógica), articulando-se a prática de produção textos e de análise linguística. (BRASIL, SEF, 200, p. 27) Conforme bem observado nos PCN, a prática linguística de leitura ou escuta precisa oportunizar a reflexão nos aspectos linguísticos da linguagem, em seu todo e não somente no núcleo cru da linguagem. Sendo assim, foram observados nos volumes analisados, uma diversidade de exploração de gêneros textuais para a prática de leitura/escuta através da análise linguística. As atividades propostas também buscavam recursos linguísticos dos textos, como os recursos coesivos, estilísticos, estéticos e as variedades linguísticas. 27 6.2 UM OLHAR SOBRE A COLEÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA SELECIONADA A coleção Projeto Teláris: Português é de autoria de Ana Trinconi Borgatto, Terezinha Bertin e Vera Marchezi e foi editada pela Editora Ética. A autoras Ana Trinconi Borgatto é pedagoga graduada e licenciada em Letras pela Universidade de São Paulo. É mestre em Letras e pós-graduada em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa pela mesma universidade, é professora universitária e professora de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental e Médio. Terezinha Bertin é licenciada em Letras e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. É pós- graduada em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora universitária e professora de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental e Médio e Vera Marchezi é licenciada em Letras pela Universidade Estadual Paulista. Mestra em Letras e pós-graduada em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa pela USP, professora universitária e professora de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental e Médio. A coleção é composta por quatro volumes, distribuídos nas quatro séries (6°, 7°, 8° e 9°) do Ensino Fundamental II. Os volumes se organizam em quatro unidades, determinadas tematicamente, com uma estrutura básica que sofre pequenas alterações, segundo os diferentes objetivos das unidades. Os conteúdos em todos os volumes estão organizados de maneira semelhante. De modo que se fossem analisados separadamente, poderia ter uma falsa impressão de que há uma homogeneidade de temas, o que não se confirma, pois os títulos que se repetem ao torno das coletâneas trazem conteúdos distintos. É importante destacar os títulos relacionados à prática de análise linguística “prática de oralidade”, “outras línguas”, “língua: usos e reflexão”. São alguns dos exemplos que se repetem em todos os livros didáticos e em seus respectivos capítulos. No livro do 6° ano, por exemplo, os textos apresentados ora desencadeiam atividades de reflexão e interpretação, ora são direcionados ao universo vivencial do aluno. É claro também que em alguns momentos o objetivo é apenas verificar se o aluno consegue retornar ao texto, identificar passagens da história e ensinar algum aspecto linguístico, como pontuação, por exemplo. 28 Os gêneros dos discursos são bastante explorados no livro, há momentos que em apenas uma atividade são apresentados três gêneros para o aluno, nesses textos são explorados vários aspectos. Para reforçar o que foi dito, tome-se como exemplo a unidade 1 deste livro: os textos que estão focados no tema “língua; uso e reflexão”, o qual se repete em todos os capítulos, discute sobre variação linguística. Os textos apresentados são de gêneros discursivos diferentes, após o autor destacar algumas observações sobre Linguagem formal e informal, é apresentado dois textos A e B, o primeiro é a fala de um aluno (representante da classe) dirigindo-se aos colegas, o segundo texto, representa a direção da escola dirigindo-se por escrito aos alunos. Ao longo da seção o autor também faz uso de uma tirinha do Calvin, da letra de música Cuitelinho de Milton Nascimento e de um cartum, todos evidenciam características quanto ao conteúdo temático, construção composicional e estilo. Cada texto é acompanhado de atividades acerca da variação linguística, o que muda é o modo da situação comunicativa de cada texto, o que faz o aluno refletir sobre o que Antunes (2003) reforça acerca de “saber as regularidades da língua fará muita diferença, pois é quando nos encontramos nas situações reais de uso da língua, seja dentro ou fora da escola”. A linguagem apresentada nos textos, nas situações interlocutivas ali apresentadas, várias vezes são questionadas através das atividades. Uma das questões solicita que o aluno observe qual das duas linguagens ele domina melhor e por que a domina, se do texto A (fala do aluno) ou se do texto B (mensagem escrita da Direção da escola). É importante relatar, que o livro não menciona diretamente a definição dos gêneros discursivos explorados, mas dá condições ao aluno através da própria linguagem, dos recursos linguísticos explorados dentro do texto, da construção composicional e de sua estrutura de compreender qual o gênero do discurso trabalhado em cada situação, como se constitui e quais características ele possui. Pois não podemos achar que aluno não sabe reconhecer uma tira, uma charge, um cartum, uma letra de música, um jornal, uma revista, uma carta, ou uma bula de remédio, entre outras, pelo contrário, tudo isso faz parte do universo vivencial da maioria deles. 29 Sendo assim, o texto como ponto de partida das atividades de prática de análise linguística é bastante explorado no livro do 6° ano. Além do mais, o fato dos gêneros dos discursos não serem diretamente caracterizados na descrição, não quer dizer que os textos não estejam voltados para de textualidade e ao gênero do discurso. Desse modo, umas das questões da unidade 1, da seção que trabalha especificamente com variedade regional, apresenta uma letra de música “Cuitelinho”, gravada por Milton Nascimento. Após apresentar a canção, 5 questões solicitam ao aluno que volte ao texto para que perceba suas especificidades, sempre ligando as formas da fala regional. Para reforçar, tome-se como por exemplo algumas atividades propostas direcionadas à música “Cuitelinho”. (QUESTÃO 1) a) Apenas oralmente, leia a letra da música, fazendo as alterações para tornar a linguagem mais próxima da linguagem formal. Observe o resultado e pense no efeito produzido: o que ocorreu? Explique. (QUESTÃO 2) a) Releia os versos a seguir. Eles registram a fala regional: 1) “onde as ondas se espaia” 2) “as garça dá meia-volta/ senta na beira da praia” Leia como eles seriam escritos na linguagem formal: 1) Onde as ondas espalham 2) As garças dão meia-volta/ sentam na beira da praia Converse com seus colegas sobre o uso da linguagem regional na música: que diferenças vocês percebem na forma das palavras? (QUESTÃO 3) a) Observe a combinação de certas palavras, como em: espaia/ praia, paraguaia/ bataia, faia/ atrapaia. Agora, converse com seus colegas sobre:  O efeito que essas combinações de som produzem ; 30  Pronúncias semelhantes na região que você mora. (QUESTÃO 4) a) Na letra de “Cuitelinho”, em vez de beira apareceu bera. O desaparecimento do i na pronúncia do grupo ei é muito comum não apenas na região onde a música foi encontrada, mas também em nosso falar cotidiano. Fale cinco palavras que têm o grupo de vogais ei e que você pronuncia como se tivessem apenas o/e/. Nesse caso os autores, exploram bem a necessidade de adequação da linguagem. O texto representa a variação de uma região, as palavras grifadas mostram a diferença na grafia e na forma de pronunciar. A prática de leitura precisa ser constantemente explorada através desses recursos linguísticos. É importante também ter o cuidado para que não se passe a impressão de que tais palavras são construções inadequadas, já que os exercícios 1 e 2 pede para que o aluno reescreva as palavras na forma padrão da língua. É interessante que todas as questões instigam o aluno a pensar sobre a forma de fala apresentada, a tentativa de explorar a linguagem do texto é uma prática de análise linguística que está sendo realizada no decorrer das atividades propostas. Retomando o apontamento das diretrizes do MEC (BRASIL, 2001), requer-se muita atenção com o trabalho da análise linguística, pois as atividades apresentadas não podem ser exercícios mecânicos, mas que tenha uma direção diferente do que é proposto pela autora, tornando-os mais adequados para a exploração do texto e das habilidades de leitura. Ainda segundo as mesmas diretrizes (BRASIL, 2001), importa a intenção do professor ao trabalhar análise linguística, para que o professor perceba o que fazer, como fazer e o quanto fazer daquilo que é proposto nas atividades dos livros. O professor pode direcionar as atividades para um sentido diferente ao proposto pelos autores, quando isso se fizer necessário. Assim ele fará com que o aluno exercite as habilidades de leitura, compreensão e reflexão dos textos. Pode-se observar que em cada questão dos exercícios acima, há o que se melhorar para explorá-los mais, o que é fundamental para esse trabalho é a análise feita do por meio dos conhecimentos linguísticos, os quais dissociam-se das atividades de 31 leitura escuta e produção de textos. Dessa maneira, podemos perceber o papel fundamental que o professor tem nesse processo, devendo saber selecionar o que é importante e o que é desnecessário. No livro do 7º ano, na mesma sessão “Língua: usos e reflexão” cuja abordagem é sobre adjetivo e locução adjetiva, as autoras introduzem a proposta com um conto de Marina Colasanti, que está no começo do capítulo 2 do livro, a partir daí são feitas perguntas sobre algumas expressões que aparecem no texto e no decorrer do mesmo vão sendo substituídas por outras expressões e palavras. São feitas 5 atividades que indagam o aluno a observar as expressões destacadas e perceberem que se trata de um adjetivo e uma locução adjetiva sem ao menos defini-los como tais. Após a terceira questão, é que irá aparecer um hipertexto no livro explicando o que é um adjetivo e uma locução adjetiva, a partir daí vemos uma sequência de gêneros textuais que contribuem para compreensão dos dois assuntos abordados. Sem qualquer uso de definição ou com o objetivo de verificar se o aluno sabe classificar um adjetivo e uma locução adjetiva. O livro do 7º ano traz muitas analogias para explicar e exemplificar o conteúdo abordado. Em uma das questões, cujo gênero discursivo trabalhado é a propaganda, as autoras propõem que o aluno pesquise em jornais, revistas e panfletos anúncios que utilizem adjetivos e locuções adjetivas que exaltem o produto anunciado, mas que, no entanto, observem e pensem se o sentindo deles é apenas convencer a comprar a ideia, e mais, ainda propõem que aluno apresente aos colegas os gêneros discursivos sobre quais pesquisou com sua crítica e escute os comentários e as críticas de seus colegas em relação ao que eles pesquisaram. Nesse sentido, podemos perceber uma proposta para o ensino de gramática diferente ao ensino que normalmente temos sobre regras gramaticais. Além da situação de interação que a atividade propõe, há também um estímulo de criticidade que o aluno deve possuir, passando assim, a refletir sobre aquilo que estuda. Ao ensinarmos gramática, queremos que o aluno domine a língua, para ter uma competência comunicativa nessa língua, mas como diz Geraldi (1993, p.16-17) é preciso entender que dominar uma língua não significa apenas incorporar “um conjunto de itens lexicais (o vocabulário)”; aprender “um conjunto de regras de estruturação de enunciados” e aprender “um conjunto de máximas ou princípios” de como construir um texto oral (participando de uma conversação ou não) ou escrito, levando em conta os 32 interlocutores possíveis e os objetivos que se tem ao se dizer, bem como a própria situação de interação como elementos pertinentes nessa construção e no estabelecimento do efeito de sentido que acontece na interação comunicativa. Aprender a língua, seja de forma natural no convívio social, seja de forma sistemática em uma sala de aula, implica sempre reflexão sobre a linguagem, formulação de hipóteses e verificação do acerto ou não dessas hipóteses sobre a constituição e funcionamento da língua. Quando nos envolvemos em situação de interação há sempre reflexão (explícita ou não e, neste caso, automática) sobre a língua, pois temos de fazer corresponder nossas palavras às do outro para nos fazer entender e para entender o outro (GERALDI, 1993, p.17). Impossível, pois, usar a língua e aprender a língua sem reflexão sobre ela. (TRAVAGLIA, 2009, p. 107). Conforme bem observou Travaglia, a linguagem é uma forma de interação e o seu domínio exige alguma forma de reflexão, sendo assim, quer abordando adjetivos ou não, a linguagem não pode ser tratada como conteúdo sistemático, mas ser diferenciada na sua forma, no seu sentido, nas formas variadas de usos para que assim se desenvolva a competência discursiva do aluno e o mesmo passe a refletir sobre a língua que utiliza. Para melhor demonstração das atividades no livro do 7º ano, destacam-se algumas atividades propostas. (Questão 1) a) Pesquise em jornais, revistas ou panfletos anúncios que utilizem adjetivos ou locuções adjetivas para exaltar o produto anunciado. Pense se essa adjetivação é apenas para convencer a comprar a ideia ou o produto anunciado e se é possível perceber a veracidade do que é dito. Traga anúncio para a sala e, com a orientação do professor, apresente-os aos colegas com a sua crítica. Ouça os comentários e as críticas de seus colegas em relação ao que eles pesquisaram. (Questão 2) Leia o texto a seguir. 33 Como se pega o bicho-geográfico Muito comum entre banhistas nesta época de praias lotadas, a contaminação pelo parasita conhecido como “bicho-geográfico” começa quando cães e gatos infectados defecam em terreno quente e úmido. Quando alguém pisa ou deita na areia contaminada, o bicho – cujo nome científico é Ancylostomas – penetra na pele. “Não necessário haver ferimentos cutâneos para que o parasita entre no corpo”, diz o dermatologista Vidal Haddad da Universidade Estadual Paulista. Em contato com os pés, mãos ou costas, o parasita fixa-se sob a pele, onde traça linhas sinuosas – daí o nome popular. Discovery Magazine, São Paulo: Synapse, n. 5, p.76, dez. 2004. a) Pode-se afirmar, de acordo com o texto, que a contaminação se dá pelo contato com as vezes de qualquer cão ou gato? b) Que palavra do texto justifica sua resposta? Classifique-a. c) Que características do solo favorecem a contaminação? d) Como o texto caracteriza os nomes do parasita: Ancylostomas e bicho- geográfico? e) Reescreva as frases substituindo o adjetivo destacado por uma locução adjetiva: Não é necessário haver ferimentos cutâneos para que o parasita entre no corpo. Podemos observar nas atividades acima, que ainda há uma mistura entre atividades que propõem reflexão e atividades que propõem somente a interpretação de textos e identificação de determinados fatores gramaticais. O que se percebe é que há uma alteração no ensino com a inclusão dos estudos da linguística, mas que ainda vemos em algumas atividades o ensino tradicional, como se ainda não fosse possível desvincular-se totalmente do ensino-aprendizagem de outrora. Nota-se que na 2 questão, com o texto “Como se pega o bicho-geográfico”, as autoras propõem atividades que faz com que o aluno apenas retorne ao texto e verifique se ele consegue classificar uma determinada palavra que justifica a resposta da questão anterior, sem ao menos propor algo que faça com que ele reflita sobre o que faz. Nesse contexto, é papel fundamental dos professores de Língua Portuguesa saberem 34 escolher os livros didáticos que usarão na sala de aula, verificar o que o Guia dos Livros Didáticos diz sobre tais livros e quais recomendações são feitas sobre eles, pois a finalidade desse guia é fornecer uma análise dos livros didáticos para que assim os professores possam ter uma escolha mais consciente dos livros já que nele encontram-se resenhas das coleções avaliadas, os princípios e critérios gerais e específicos das avaliações e a maneira como foi orientado o trabalho de avaliação dos especialistas. Sobre o livro do 9° ano, destaco aqui o trabalho da prática de oralidade, nesta sessão, são trabalhados textos com vários assuntos que estão sendo discutidos na modernidade. São debates que tem a finalidade de fazer o aluno pensar sobre tal assunto, de modo que o leitor possa concordar ou não sobre o que lê e expor seu pensamento daquilo que lhe está sendo apresentado como “verdade”. Explora-se, nessa sessão, o trabalho feito em conjunto, em dupla, trio ou equipes. Tudo para que haja uma forma de interação entre os alunos e para que se desenvolva a capacidade do discurso, da argumentação, isto é, para que eles possam se ouvir e escutar o outro que fala, cada um dando valor à fala do outro, em atenção ao que os PCN propõem na prática de oralidade com textos orais e escritos. Para reforçar o que foi dito, toma-se como exemplo o texto “Homens e mulheres têm direitos iguais: isso é uma realidade?”, e as atividades propostas a partir desse texto. Homens e mulheres têm direitos iguais: isso é uma realidade? No dia 8 de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Escolheu-se essa data em homenagem às operárias que, em 8 de março de 1908, morreram carbonizadas em uma fábrica de Nova Iorque quando reivindicavam melhores condições de trabalho. Na década de 1960, o movimento feminista denunciou a situação de desigualdade entre os sexos. No mundo inteiro, as mulheres passaram a lutar para ter os mesmos direitos que os homens em todas as áreas de atividade. No romance As Aventuras de Ngunga, a mulher é submetida a uma situação de inferioridade em relação ao homem pois submete à vontade dos pais, que, em troca de um dote, dão-na por esposa a um homem bem mais velho que ela. 35 Durante muito tempo a mulher foi considerada um ser inferior, que deveria ficar sob a tutela do pai, ou do marido, ou de um homem mais poderoso. Essa situação passou a mudar com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), cujo o artigo 16 afirma: “Homens e mulheres adultos, sem limitação de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de casar e de constituir uma família. Durante o casamento e à sua dissolução, ambos têm direitos iguais. O casamento só pode ser celebrado com o livre consentimento dos futuros esposos. ” No Brasil, só a partir da Constituição de 1988 a mulher ganhou autonomia em relação ao marido e conquistou direitos iguais aos do homem.  Formem dois grupos. O grupo A deverá:  pesquisar regiões do mundo, circunstâncias e situações em que a mulher já alcançou direitos iguais aos do homem, isto é, tem a sua autonomia garantida;  elaborar argumentos para defender a seguinte afirmação: “A mulher já alcançou direitos e autonomia iguais aos do homem”. O grupo B deverá  pesquisar regiões do mundo, circunstâncias e situações em que se perceba que ainda há discriminação da mulher ou sua submissão ao poder masculino;  elaborar argumentos para defender a seguinte afirmação: “A mulher ainda é discriminada e submissa ao poder masculino.” Como se vê, a atividade acima está propondo que o aluno busque saber mais sobre o texto trabalhado na sala de aula, para que se obtenha um entendimento mais completo sobre os direitos de homens e mulheres na sociedade, a fim de que, a partir do que se pesquisou, o aluno tenha condições para construir sua linha de pensamento sobre tal assunto e assim possa argumentar sobre sua posição. Nota-se também que a atividade explora a possibilidade de um debate na sala de aula entre os alunos, colocando em prática justamente a prática de oralidade de textos 36 orais e escritos, pois a cada pesquisa feita incidirá uma construção de texto escrito. Vale ressaltar que todas essas atividades propostas são importantes para a instigação de pensamento e busca do conhecimento Fica bem claro aqui que o objetivo dessa sessão é trazer a reflexão sobre assuntos abordados na sociedade, para que o aluno possa não somente obter conhecimento, mas também posicionar-se frente ao que aprende. Passo agora a tecer as últimas observações feitas na coleção com o livro do 9° ano. O que se percebeu no último livro analisado foi uma certa continuidade de conteúdos especificados nos livros anteriormente analisados. O que muda são os gêneros trabalhados nele, gêneros que fazem parte da linguagem dos alunos de 9° ano. Ao longo do livro são explorados diversos textos que fazem parte do cotidiano deles como, por exemplo, uma conversa no Messenger, um conto, um romance, um filme, um cartaz e algumas tiras. Além disso, o livro apresenta textos que falam da Amazônia, da própria região, um ponto bastante positivo já que o MEC propõe que os livros didáticos abordem assuntos relacionados à própria região para que o aluno sinta uma aproximação maior com os textos que lê e sobre os quais escreve. Ainda na sessão “Língua: usos e reflexão” mostraremos o trabalho feito com a análise linguística ao abordar os aspectos da pontuação, expressividade e efeitos de sentido. O gênero do discurso trabalhado é o poema Fotonovela, de Cacaso e, a partir dele, seguem algumas questões a respeito dos recursos expressivos presentes no poema. Fotonovela Cacaso Quando você quis eu não quis Qdo eu quis você ñ quis Pensando mal quase q fui Feliz 1. Releia o poema de Cacaso e treine uma leitura bem expressiva desse texto. Alguns alunos poderão apresentar a leitura em voz alta para os colegas. Observe essas diversas leituras e analise semelhanças e diferenças entre elas. 37 2. Que papel a ausência de pontuação exerceu nas diversas leituras que você ouviu e na leitura que você fez? 3. Qual das possibilidades de pontuação produziu um sentido bastante diferente daquele que você percebeu na sua primeira leitura? 4. A partir dessas leituras como você explica a diferença entre o texto com os sinais de pontuação explícitos e o texto sem os sinais? Pode-se perceber que estas atividades propõem um pensamento diferente sobre pontuação, outras possibilidades de abordar tal assunto. Verifica-se que em cada questão o aluno é instigado a refletir sobre tais usos de pontuação e os efeitos de sentidos que produzirão a cada mudança de sinais. Uma abordagem semântica da linguagem, usando outros recursos linguísticos para explorar o sentido de todo texto. Sabe-se também que não há como o aluno aprender as regras de usos de concordâncias e pontuação todas de uma vez, pois trata-se de um processo de aprofundamento e consolidação de saberes que devem ser experienciados na prática, no caso especifico, com a reflexão sobre as ocorrências na leitura e na produção de textos. De modo geral, as atividades contemplam momentos em que os alunos são solicitados a observar, comparar, refletir, concluir e sistematizar as ocorrências de pontuação na linguagem, o que se nos deixa bastante felizes. Outra observação consiste na continuidade dos conteúdos ao longo das quatro séries abordadas, já que o aluno não aprenderá de uma só vez sobre pontuação, tal assunto é iniciado nos capítulos dos livros dos anos anteriores com abordagem de concordância, coerência e coesão, assuntos que dão início à compreensão dos aspectos de usos de sinais na língua, mas que são consolidados na série específica a que se destina. Isso ocorre com outros aspectos gramaticais e usos de linguagem em toda a coletânea e constitui também resultado obtido na pesquisa, já que um dos objetivos secundários a que nos colocamos foi exatamente o de verificar a relação de continuidade ou descontinuidade de conteúdos de linguagem abordados nas quatro séries do Ensino Fundamental l. Passo agora, para o último capítulo desta pesquisa, na qual irá explicar brevemente a perspectiva metodológica que advém toda a pesquisa. 38 Considerações Finais Neste relatório, sistematizamos o percurso transcorrido ao longo de um ano de pesquisa sobre as análises dos livros didáticos de Língua Portuguesa, que encerraram o objetivo central proposto. Cremos ter atravessado etapas importantes que nos deram a possibilidade de compreender melhor a abordagem de ensino de Língua Portuguesa hoje realizada nas escolas de Manaus, Amazonas. A análise da coleção didática à luz dos aportes teóricos que ensejam a perspectiva atualmente defendida para a educação básica e das diretrizes paramétricas que legitimam essa nova abordagem de ensino, permitiu-nos a apreensão de que houve já um avanço considerável nos materiais didáticos voltados ao segundo segmento do Ensino Fundamental. Afirmamos isso, pois foram encontradas nos livros das quatro séries da coletânea a prática de análise linguística contemplada nas atividades e nos conteúdos de linguagem. Além disso, as hipóteses desdobradas nos objetivos secundários elencados na pesquisa foram identificadas nos livros em torno dos conteúdos e das atividades propostas pelas autoras. É claro que ainda há muito o que melhorar. A título de exemplo, podemos mencionar atividades voltadas para identificação de conteúdos gramaticais e interpretação de textos à moda antiga ainda presentes, como verificou-se na atividade apresentada no livro do 7° ano. Ainda há dificuldades, por parte de alguns autores, de entender que o ensino de gramática deva ser visto e realizado como objeto de reflexão e não como objeto de memorização, identificação ou definição. É possível e necessário pensar sobre a norma, construir hipóteses e verificá-las, reconstruí-las e sistematizar o que foi aprendido, tudo isso faz parte de uma opção pedagógica de base construtivista. Reconhecemos que essa mudança de perspectiva, de objetivos, de conteúdos a serem ensinados não é tarefa fácil para o professor de Língua Portuguesa, sobretudo para aqueles que não tiveram uma formação adequada às exigências atuais. Nesse sentido, o material didático faz-se ainda mais importante, pois orienta a práxis docente pouco afinada às necessidades de formação contemporânea e, nesse escopo, 39 sua qualidade ou ineficiência incide ainda maior impacto na formação dos alunos da educação básica. Nessa diretriz, acreditamos que a pesquisa realizada teve sua relevância uma vez que serviu para pontuar algumas lacunas no material analisado que precisam de reparo, mas também por destacar os acertos encontrados que auxiliam a realização de um processo de ensino e aprendizagem em conformidade com as orientações apresentadas nos diferentes documentos legitimados pelas instâncias educacionais do país. 40 Referências ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. AMAZONAS, SEDUC. Proposta Curricular de Língua Portuguesa para o Ensino Médio. Manaus: Secretaria de Estado de Educação e Qualidade do Ensino, 2012. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Trad. do russo por Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. BRAIT, Beth. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2010. BRASIL. SEF/MEC. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. 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Ensino de Gramática: Reflexões sobre a língua portuguesa na escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.